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O mercado brasileiro é tão específico que modelos ou marcas acabam assumindo aqui papel diverso do original em seus países de origem
Quando uma marca lança um novo carro o ponto de partida é saber qual o nicho de mercado em que ele se encaixará. Isso é crucial para definir todo o projeto. Se o público é mais maduro e conservador, as linhas deverão passar austeridade – vide o Toyota Corolla e os Volkswagen em geral.
A exigência pedirá um acabamento mais requintado. Se for vendido na China o interior deverá ser em tom creme… Mas no Brasil, país tão diversificado em gostos, interesses, custos e lucros, a coisa funciona de modo diferente. Aqui alguns carros que lá fora são direcionados a um segmento acabam servindo para outras frentes de batalha.
Exemplos? A Fiat apresentou ao mercado, em agosto, a nova versão do seu diminuto 500. Um dos modelos responsáveis pela motorização dos italianos no pós-guerra produzido entre 1957 e 1975, o longevo 500 foi homenageado em 2007 com uma nova carroceria construída sobre a plataforma do Ka europeu na fábrica polonesa de Tychy.
Aproveitando a onda retrô, as linhas do citadino, que no Brasil ganhou ares de carro de nicho, ficaram muito bem feitas e a personalização é uma de suas características. Chegou por aqui custando salgados R$ 76 mil em sua versão mais completa: um carro cheio de equipamentos e tecnologia, mas ainda assim pequeno demais, com apenas duas portas e capacidade para quatro ocupantes.
Com seu valor era possível comprar bons sedãs médios. Agora vindo do México para atender principalmente o mercado norte americano, o 500 teve seu preço cortado em quase 20 mil, começando em R$ 39.990. Alguns dos que compraram a versão polonesa devem excomungar a Fiat por gerações, mas outros nem estão ligando, pois quem compra um modelo desse no Brasil enxerga outros motivos e o preço nem é tão importante.
Se na Europa o 500 é um dos mais baratos da linha, aqui ele é um dos mais caros e exclusivos. Como o modelo polonês pagava imposto de importação de 35% e era um carro bastante equipado por natureza, seria natural que chegasse aqui bem mais caro que seus conterrâneos populares. Some a isso o fato do chamado Lucro Brasil e a exclusividade do 500 e temos um carro de nicho, voltado a quem quer se diferenciar no trânsito. O Fiat pegou a esteira de sucesso de veículos como o Mini Cooper e o Smart ForTwo.
Da mesma marca temos o exemplo do Linea. Inspirado no compacto Punto, onde aproveitou algumas peças e a plataforma alongada, começou a atuar no segmento dos médios. A largura da cabine denota essa origem.
A inspiração natural talvez devesse ser o irmão maior Bravo, mais adequado ao público acostumado com Hondas e Toyotas. Ou ainda ter um preço menor para compensar a falta de tradição no segmento. Seja como for ele deve ganhar um “up” com a chegada do novo Siena.
No Brasil a Mercedes-Benz também suou a camisa. O seu Classe A era um veículo compacto que trazia toda a aura de um Mercedes. Mas será que ostentar a estrela de três pontas no capô foi o suficiente para atiçar o interesse de seu público-alvo?
Em que pesem a qualidade construtiva e o pacote de segurança sempre bem pensado, junto a um estilo completamente diferente do que éramos acostumados, as vendas do pequeno nunca decolaram conforme o esperado. Quem gosta de Mercedes não o via como tal ou quem o desejava ficava receoso com a questão de manutenção (preço) típica de um Mercedes? Difícil saber.
Já a Hyundai ri à toa no mercado nacional. Seus modelos são muito bonitos, bem construídos, com equipamentos interessantes em relação aos concorrentes… a indústria coreana já apagou da memória seu passado e hoje disputa espaço em qualquer lugar do mundo com veículos de marcas tradicionais.
Mas aqui no Brasil um Hyundai ganhou ares mais pomposos do que deveria ter. A marca conseguiu criar uma imagem sofisticadíssima para seus modelos e consegue fazer frente a veículos prestigiados de marcas européias, não lembrando seu início por essas bandas com carros sem personalidade. Se o mercado paga para ver, que mal tem? Só não precisava abusar no marketing; seus produtos não precisam disso.
O direcionamento do VW Polo no Brasil também sempre foi diferente do que ocorria na Alemanha. Lá ele nasceu como carro de entrada em 1975, mas pulou degrau com a chegada do Lupo e do Fox.
Aqui, abaixo dele, além do Fox há o Gol em duas gerações. Ou seja: atua no segmento dos chamados compactos premium, carros menores com acabamento e equipamentos diferenciados. Seu preço sempre foi mais alto que o da concorrência. Uma das explicações é sua plataforma mais moderna para os padrões do setor.
E os campões Honda Civic e Toyota Corolla? Esses são clássicos. Se nos EUA são praticamente veículos de entrada aqui atuam no segmento de médios de luxo. Seus irmãos mais elaborados de lá, Camry e Accord, aqui são mais top ainda. E o que dizer dos picapes e utilitários esportivos?
Esses sim vendem bem mais pelo que representam do que realmente a utilidade original. A Hilux, da Toyota, desfila lindamente pelos grandes centros e não é raro saber que uma delas nunca viu serviço pesado. O Ecosport, da Ford, um dos maiores acertos da marca no país, tem a imagem de carro que enfrenta todo tipo de terreno, mas sabemos que na prática não é bem assim que a banda toca. Isso sem falar da onda inaugurada pela Fiat com a linha Adventure: no Brasil esse conceito pegou feito rastilho de pólvora e caiu no gosto do freguês.
Participar de todos os nichos de mercado em um país como o Brasil não é tarefa fácil. Adaptação daqui, incremento dali, o que houver na prateleira precisa ser remodelado para agradar os consumidores de A a Z e atuar em vários segmentos com o menor investimento possível. Quanto mais criatividade, melhor.
Por Thiago Mariz